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Nem tudo é o que parece

16/01/2019 | NTU

Existem pessoas que, confrontadas com os grandes desafios que o Brasil e o mundo enfrentam – como o aquecimento global, o caos urbano, o aumento das doenças respiratórias causadas pela poluição e as mortes no trânsito, para citar alguns -, respondem, de forma muito assertiva, que existe solução e que ela virá da tecnologia.

De fato, a tecnologia tem tido, ao longo da evolução humana, um papel fundamental na superação de problemas e na melhoria da qualidade de vida. Para ficar apenas nos domínios do transporte urbano, tivemos avanços profundos que vão da invenção da roda ao motor de combustão interna, que revolucionaram a forma como pessoas se deslocavam no passado e que seguem em pleno uso atualmente.

Ocorre que nem toda inovação é tecnológica e nem toda tecnologia é benéfica ou entrega o que promete. A 4ª. revolução industrial, de base digital, está disseminando rapidamente o uso de aplicativos operados a partir de smartphones, itens cada vez mais presentes (e indispensáveis!) no cotidiano das pessoas, como se fossem a solução para todos os problemas do mundo. Isso inclui, naturalmente, os aplicativos de transporte individual sob demanda, tema da reportagem de capa desta edição.

Apresentados por seus defensores como “o novo paradigma das cidades inteligentes” e “solução para a mobilidade”, ao “tirar carros das ruas”, os aplicativos de transporte podem oferecer comodidade, mas estão na contramão das soluções permanentes e sustentáveis para os desafios urbanos. Motoristas podem efetivamente optar pelo aplicativo e deixar seus carros em casa, o que significa trocar um carro por outro, que rodará mais e ocupará mais tempo e espaço nas vias. Uma mudança de efeito relativo, segundo estudos que indicam piora no trânsito a partir dessa novidade.

Os problemas surgem quando os serviços de transporte individual por aplicativo se valem de brechas da lei para ir além do transporte compartilhado e ofertar transporte coletivo, similar ao das operadoras do sistema de transporte público de passageiros – operando em rotas pré-definidas com passageiros sem vínculo entre si, com diferentes origens e destinos. Tais modalidades ressuscitam, com roupagem modernizada, o velho conceito do “táxi lotação”, ícone do transporte ilegal de passageiros do passado que contribuiu para tumultuar o trânsito e desorganizar as redes de transporte público.

A mobilidade realmente sustentável e inovadora só pode existir se for baseada numa rede organizada, integrada e robusta de transporte público, que cumpra plenamente seu papel social de ofertar um serviço universal, contínuo e com modicidade tarifária, e que assegure o atendimento de todos – em especial as classes sociais de menor poder aquisitivo e segmentos mais vulneráveis da população, incluindo idosos, estudantes, pessoas com deficiência e outros beneficiários de gratuidades (sem mencionar que o transporte público coletivo também é aquele que oferece os melhores resultados contra o aquecimento global, o caos urbano, as doenças respiratórias e as mortes no trânsito). Transferir, no limite, os quase 40 milhões de passageiro diários do transporte coletivo dos ônibus para carros teria um impacto inimaginável nas cidades. Como se vê, uma “tecnologia disruptiva” mal empregada pode ser, no fim, apenas destrutiva. Boa leitura!

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