BRT Rio pede socorro
17/05/2018 | Geral
Levou apenas seis anos desde a inauguração do primeiro corredor de ônibus do sistema BRT do Rio de Janeiro – o Transoeste –, que chegou com a expectativa de solucionar importantes gargalos no transporte público da cidade, até a situação atual do serviço, que pode ser resumida em uma palavra: calamidade. Depredações, evasão, perda de passageiros, superlotação, malha viária sem manutenção, quebra de veículos, milícias e crime organizado são os graves problemas enfrentados pelos milhares de usuários do BRT e também pelas empresas que o operam.
O sistema BRT do Rio foi projetado para atender, em média, 610 mil passageiros por dia em corredores exclusivos, num sistema com estações de embarque em nível, pagamento antecipado, informações aos usuários, oferecendo mais rapidez e conforto para a população. Foi também estruturado para algo ainda maior: receber os turistas do mundo todo que participariam dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016. E, de fato, cumpriu a missão com mérito: nesse período, chegou a transportar 700 mil pessoas por dia nos três corredores em operação – Transoeste, Transcarioca e Transolímpica –, segundo dados do Consórcio BRT Rio.
No entanto, desde 2016 o número de pessoas transportadas vem caindo gradativamente. Atualmente, são 448 mil passageiros por dia, incluindo as gratuidades. Essa queda, por si só, agrava a situação das empresas, que ainda precisam lutar pelos reajustes tarifários previstos em contratos, que vêm sendo descumpridos. Em 2017 a tarifa, de R$ 3,80, foi reduzida duas vezes, chegando a R$ 3,40 em novembro, e voltando a subir somente em fevereiro deste ano, para R$ 3,60.
Somadas a essas questões estão a falta de manutenção das vias, o vandalismo e a evasão, que chega a 70 mil pessoas por dia. Assim, organizar e executar o serviço fica praticamente inviável. “A gente perde a capacidade de planejar, já que não é possível identificar por onde essas pessoas embarcam, quando e por quê. Essas pessoas não “bilhetam” e por isso não temos a informação de origem e destino delas. Então, não conseguimos planejar a operação”, relata Suzy Balloussier, diretora de Relações Institucionais do Consórcio BRT Rio.
Infraestrutura Inadequada
A questão da pavimentação das vias do BRT é outro ponto bem preocupante. Já nos primeiros meses após a inauguração, em 2012, o asfalto do Transoeste começou a apresentar deficiências que têm causado problemas na frota. O pavimento sofreu com o peso dos veículos e criou ondulações, depressões e, agora, seis anos depois, esses problemas de conservação se agravaram. Para o Consórcio BRT, o problema é crônico e está no material utilizado na pavimentação do Transoeste, que deveria ser concreto ou pavimento rígido, e não o que foi empregado. Já o Transcarioca, inaugurado em 2014, não apresenta tantos problemas por ter pista rígida, embora existam algumas crateras decorrentes da falta de manutenção.
Com os problemas de infraestrutura, os ônibus articulados passam por problemas mecânicos constantes, o que inviabiliza ter 100% da frota programada para as viagens. Segundo o Consórcio BRT Rio, esse é um dos principais problemas da operação do sistema. Os buracos nas pistas, rachaduras, depressões e calombos na calha comprometem os equipamentos, a mecânica dos articulados e a segurança do transporte, colocando em risco a vida de passageiros e rodoviários.
Para minimizar esses problemas, o BRT Rio está adotando medidas preventivas como o “by-pass”, desvio da calha para a pista comum e posterior reingresso mais à frente, medida que só deveria ser praticada em situações excepcionais, como em caso de acidente. Também passaram a operar com redução de velocidade nos trechos mais críticos. As duas medidas comprometem a performance operacional do BRT, já que aumentam o tempo de viagem em até 20%. Isso quer dizer que cada articulado realiza menos viagens, prejudicando passageiros e aumentando os custos da operação, com redução da receita por veículo.
“Trabalhamos, hoje, com a frota que temos no limite, ampliando os intervalos, ou seja, aumentando o desconforto da população, seja na estação, porque o tempo é maior e com tempo maior a estação fica mais cheia, seja dentro do próprio veículo, para dar conta da demanda. Com isso, mais uma vez sobrecarrega e estressa o equipamento mecânico”, pontua Suzy.
O especialista em pavimentação pela Universidade Federal de Alagoas (UFA), Celso Luiz Romeiro Júnior, explica que, normalmente, o pavimento flexível necessita de manutenção preventiva mais cedo e é escolhido por questões orçamentárias, já que oferece um custo menor para a implantação. No entanto, ele alerta que no decorrer dos anos o custo será maior por causa da manutenção. Já a pavimentação rígida tem um custo mais alto no início, mas ao longo dos anos o desembolso de manutenção será menor.
“A vida útil de um corredor que tem a pavimentação flexível normalmente é de 8 a 10 anos, mas é necessário que tenha uma política de vistoria de pavimento. E o grande erro que encontramos nos projetos, de modo geral, é que eles não preveem, ao longo dos anos, verbas para a manutenção da obra”, diz. Sobre os problemas que a falta de reparos pode gerar nos veículos, Celso Luiz destaca: “desgaste nos pneus, na parte mecânica do veículo, e o impacto operacional por necessária redução da velocidade dos ônibus devido a problemas na pavimentação”.
Procurada para falar sobre a existência de problemas na pavimentação do BRT do Rio, a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma) afirma que “são necessárias intervenções pontuais que já foram identificadas por meio de vistorias técnicas” e que a manutenção é constante.
A Seconserma reconhece que alguns trechos do corredor Transoeste deveriam utilizar pavimento rígido, mas outros podem ser mantidos com a pavimentação flexível. Porém, a recuperação da pavimentação desse BRT necessita de recursos da ordem de R$ 35 milhões, escopo que inclui minucioso estudo de suporte do solo para recuperação dos trechos críticos.
“A Secretaria vem atuando paliativamente com operação tapa-buraco até que essa verba seja viabilizada; a expectativa é que em 2018 os recursos sejam maiores de modo a atender, inclusive, esta recuperação”, informa.
Diferentemente do Transoeste e do Transarioca, que têm a conservação das pistas sob responsabilidade da Prefeitura do Rio, o corredor Transolímpica, lançado em 2016, tem conservação feita pela Concessionária ViaRio S.A., que também administra o pedágio. Por ter sido inaugurado recentemente, o estado de conservação é melhor.
Vandalismo e violência
De acordo com o Consórcio BRT Rio, todas as estações já sofreram algum tipo de vandalismo. Depredações e quebras de portas, catracas, monitores e máquinas de autoatendimento são uma realidade diária do sistema.
Não há um dia no Consórcio que não seja aberto, pelo menos, um protocolo interno para conserto de equipamentos por causa de mau uso. O prejuízo estimado é de cerca de R$ 1,4 milhão por mês, montante gasto pelo Consórcio para manter as condições mínimas de operação. Desse valor, R$ 800 mil são gastos só no Corredor Transoeste.
O vandalismo também é diário nos ônibus articulados do BRT. Em 45 dias, entre março e abril deste ano, o BRT retirou 664 vezes articulados de circulação por causa de vandalismo, ou seja, mais que o total da frota inteira. Isso resulta numa frota operacional menor e no aumento dos intervalos dos serviços. Além de roubo de itens como martelinhos de segurança e borrachões das portas, há quebras de vidros, portas, espelhos retrovisores e encostos dos bancos, entre outros. O conserto da frota também é de responsabilidade das empresas consorciadas, e a perda total de um articulado causa prejuízo de cerca de R$ 1 milhão.
O problema de segurança pública do Rio de Janeiro é grave, e os conflitos com o crime organizado e milicianos tornaram o sistema refém de problemas externos nos últimos anos. Estações do BRT já foram incendiadas, por exemplo, mas o motivo não foi o serviço. Esse tipo de ação é uma forma de protesto da comunidade ou a atuação de criminosos que utilizam o sistema para bloquear ou interromper as vias de acesso.
A diretora de Relações Institucionais do Consórcio BRT Rio é enfática em dizer que o Rio de Janeiro vive uma situação crítica e que é preciso uma atuação mais rigorosa do Estado em solucionar os problemas de insegurança e desordem pública que estão instaurados na cidade.
“Em todo lugar do mundo existe uma força policial para atuação em transporte público porque lá fora qualquer interrupção do transporte público é encarada como um ato de terrorismo, por ser uma atividade econômica da cidade. Hoje vemos, em diversas ocasiões, a população do Rio de Janeiro e os passageiros do BRT viverem situações que são de terrorismo. Saem no meio de um fogo cruzado, com tiros rolando de um lado para o outro, com os passageiros tendo que se atirar ao chão ou se agachar dentro do ônibus. Se isso não é terrorismo, eu não sei o que é”, lamenta Balloussier.
Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no interior das estações do BRT há seguranças do Consórcio e a PM atua quando é acionada. “Há um convênio entre a Corporação e o Consórcio BRT, por meio do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), em vigor. Os locais de atuação dos policiais militares que trabalham nesse convênio são indicados pelo próprio Consórcio. Os batalhões que têm suas respectivas áreas de policiamento cortadas pelo corredor viário também realizam rondas focadas nesses locais juntamente com ações de abordagem nas proximidades das estações”, diz em nota. Questionada sobre a eficiência desses patrulhamentos e se existe algum plano de segurança pública mais rígido para o transporte público coletivo, a Revista NTUrbano não obteve respostas.
De fato, existe um contrato no qual o Consórcio BRT Rio é responsável pelo serviço e tem a obrigação de zelar pela segurança e fazer a manutenção dos equipamentos; as empresas tentam fazer isso por meio do pagamento a 50 policiais que fazem parte do Proeis. Porém, o contrato trata da segurança patrimonial e manutenção pelo desgaste natural dos equipamentos, o que é diferente dos atos criminosos e de vandalismo que estão sendo vivenciados.
“Na realidade, querer imputar essa responsabilidade para o setor privado é, efetivamente, não querer que se resolva o problema. Hoje, a questão de segurança no sistema BRT só vai ser resolvida se for criada uma força policial para atuar em transporte público”, diz o Consórcio. O sociólogo e professor da Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ignácio Cano, analisa a situação de insegurança do Rio e opina sobre como o Consórcio BRT poderia agir. “Considerando o nível de insegurança do Rio de Janeiro e a presença regular de tiroteios, é impossível esperar que qualquer transporte de superfície se veja livre dos riscos e das interrupções. Não acredito que o próprio BRT possa fazer grande coisa a respeito disso, a não ser ter um protocolo que identifique com rapidez os locais e momentos de risco para interromper o serviço nessas circunstâncias”, recomenda.
Crise econômica: potencializadora dos problemas
Com a crise econômica, o aumento do desemprego é tido como um dos agravantes da situação no Rio. No BRT, isso se manifesta por meio do crescimento do comércio ilegal; os camelôs forçam as portas das estações e entram sem pagar, aumentando a depredação dos equipamentos mecânicos – as portas muitas vezes caem. Além disso, as pessoas que viajam sem pagar ocupam espaço dentro do ônibus, aumentando ainda mais o carregamento inadequado existente, além de não pagarem a tarifa. E as mercadorias que transportam, em muitos casos, vêm de fonte ilegal.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em fevereiro de 2018, mostram um aumento no índice de desemprego no Brasil, que atinge 12,7 milhões de pessoas. Só no Estado do Rio de Janeiro, no último trimestre de 2017, a taxa de desocupação ficou em 15,1%. De 2014 a 2017, o desemprego para o carioca subiu 157%, passando de 494 mil para 1,2 milhão de pessoas. “Toda vez que você tem aumento do desemprego, todos os sistemas de transporte público sofrem de imediato com a perda de passageiros, porque na medida em que uma pessoa fica desempregada, sendo cliente do sistema, ela deixa de fazer diariamente, pelo menos, uma viagem para o trabalho e uma viagem de volta para casa”, explica Suzy Balloussier.
A crise financeira e todos os seus efeitos já fizeram duas empresas que operavam no BRT do Rio fecharem as portas. Resta saber por quanto tempo as empresas remanescentes conseguirão atender à população se nada for feito.
Reportagem publicada na Revista NTUrbano, edição março/abril 2018.