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Após um 2017 difícil, setor prevê melhorias em 2018

22/12/2017 | Geral

Se fôssemos comparar a mobilidade urbana a uma plantação, diríamos que a safra de 2017 foi complicada. Repleta de altos e baixos, registrou alguns avanços, mas ficou marcada por um certo nível de estagnação e perdas. É um consenso entre representantes do setor a ideia de que o ano que se despede foi longo e difícil. No entanto, ainda dentro dessa analogia entre transporte e agricultura, é justo dizer que 2017 foi, também, um período de preparação do terreno para colheitas melhores em 2018 e nos anos seguintes.

A crise econômica e política teve impacto importante nos resultados. O desemprego e as medidas de ajuste impactaram negativamente o já elevado custo de operação do sistema, o contínuo aumento no preço do diesel (acima do IPCA), o problemático valor das tarifas e a falta de investimentos: tudo isso afetou diretamente a demanda de passageiros, que já vinha de uma queda de 18,1% entre 2013 e 2016, segundo o Anuário 2016-2017 da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A instabilidade no meio político, por sua vez, prejudicou o andamento de projetos importantes para o setor.

Enquanto isso, salvo raras exceções, a tarifa segue como única fonte de custeio do transporte público, inviabilizando melhorias no serviço e afastando cada vez mais a população. Com isso, há perda na produtividade das empresas (de 1993 a 2016, a queda foi de 37,3%). De olho nesse cenário, a NTU firmou parcerias ao longo do ano para realizar pesquisas com o objetivo de analisar os problemas e buscar, em conjunto, soluções para eles.

Em maio, foi feito um levantamento sobre a situação econômico-financeira das empresas de transporte público urbano. Conduzido pelo Instituto FSB Pesquisa, que realizou entrevistas com 225 empresas grandes, médias e pequenas em 115 municípios, o estudo revelou que 67,6% dos operadores possuem algum tipo de dívida. Desses, 29,1%, possuem débitos que ultrapassam 40% do faturamento anual. Um total de 28,4% das companhias está em programas de recuperação fiscal.

“Nos últimos 22 anos, tivemos queda de 42% na demanda. E a economia, apesar de ter começado a dar sinais de melhora, ainda não deslanchou. Isso tem prejudicado a manutenção do equilíbrio econômico das empresas. Mais de 84% da população vive nos grandes centros urbanos e boa parte dessas pessoas utiliza o transporte público. Precisamos sair desse ciclo vicioso e oferecer um serviço de qualidade”, afirma o presidente da NTU, Otávio Cunha.

A importância do transporte público ficou comprovada na pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017, realizada em parceria com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), em agosto. Segundo o estudo – que revela hábitos da população brasileira em relação aos deslocamentos e suas principais reclamações e necessidades, baseados em 3.100 entrevistas realizadas em 35 cidades com mais de 100 mil habitantes –, o transporte ocupa o 4º lugar na lista de principais problemas sociais, atrás de segurança, saúde e desemprego.

A pesquisa mostra que 38,2% dos entrevistados deixaram de utilizar o ônibus, sendo que 16,1% dos usuários pararam de usar totalmente e 22,1% reduziram seu uso. A boa notícia é que a maioria (62,9%) dos entrevistados que deixou de utilizar o transporte público garante que voltaria a usá-lo se houvesse redução da tarifa – no caso, de até R$ 1,00, segundo 34,6% dos entrevistados. Ainda de acordo com a pesquisa, 35,8% dos ex-usuários entrevistados migraram para o carro próprio; por outro lado, outros 29,1% passaram a andar a pé, um dos efeitos da crise. O ônibus ainda lidera os modais mais utilizados, com 45,2%, especialmente nas viagens para o trabalho (53,3%). Entretanto, a demanda segue despencando e o setor teme um colapso. Como  resolver essa situação?

 

Cide: avançou, mas parou

Parte da resposta para a pergunta acima pode estar em apenas duas palavras: Cide Municipal, agora renomeada como Cide Verde. Que, por sinal, foi motivo de comemoração em março deste ano, quando foi aprovada, por unanimidade, em comissão especial da Câmara dos Deputados, dez anos após ter sido sugerida ao Congresso Nacional. A proposta de emenda à Constituição autoriza municípios e o Distrito Federal a criarem uma contribuição para custeio do transporte público.

A proposta da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) é que o tributo recaia sobre a venda a varejo de gasolina, etanol e gás natural veicular, diretamente no valor pago pelos consumidores ao abastecerem seus carros particulares nos postos. A arrecadação irá para um fundo exclusivo do transporte público. Assim, acabaria a total dependência da tarifa cobrada dos usuários e os custos seriam divididos de forma mais justa, além de fortalecer soluções coletivas de mobilidade urbana ao invés do transporte individual. Não custa lembrar: os carros ocupam 75% das vias e carregam somente 20% dos passageiros, enquanto os ônibus ocupam 20% do espaço urbano para transportar 70% da população.

O problema é que, desde essa conquista, a proposta segue a espera da votação em plenário. Para o vice-presidente de mobilidade urbana da Frente Nacional de Prefeitos, Felício Ramuth, falta vontade política. “A importância da Cide Verde já foi atestada por diversos especialistas. Ela é um instrumento para melhorar o sistema de transporte público, contribuindo para reduzir a tarifa e viabilizar investimentos. Não vamos esmorecer”, ressalta Ramuth.

Para começar a valer, a proposta precisa ser votada em dois turnos na Câmara dos Deputados. De lá, segue para o Senado Federal, onde também deve ser aprovada em dois turnos. Nas duas Casas, é necessário que a aceitação da PEC seja por maioria qualificada, ou seja, por dois terços dos votos possíveis. “Seguiremos com a missão de explicar aos legisladores a importância disso. Apesar de ser um tributo, a Cide Verde tem apelo de cunho social importante, pois faz com que o transporte individual financie o público. Vamos nos mobilizar para tentar aprová-la ainda em 2018”, reforça Otávio Cunha.

 

Indústria: queda e crescimento

As dificuldades de 2017 também foram sentidas pela indústria. Especialmente por empresários de ramos ligados ao sistema de transporte público. Relatório da Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus (Fabus) mostra que, até setembro deste ano, a produção teve queda de 8,9% na comparação com o mesmo período de 2016. Ao avaliar os últimos três anos, os números assustam muito mais: de lá para cá, as unidades fabricadas caíram de 17.944 em 2014 para 7.089 em 2017 – uma redução de 70%.

Por outro lado, se no setor urbano as coisas não fluíram muito bem, no mercado de ônibus rodoviários houve reação positiva devido à proibição de ônibus dessa categoria com mais de cinco anos. “Com uma frota cuja idade média é de 9,8 anos, calculamos que haverá troca de 2 mil a 2,5 mil veículos até 2020. Isso trará uma melhora substancial ao setor”, avalia o presidente da Fabus, José Antônio Martins. Além disso, o governo federal prorrogou para 1° de julho de 2018, o prazo para que as empresas passem a utilizar ônibus com Dispositivo de Poltrona Móvel, usado no embarque de pessoas com deficiência. O que deve movimentar ainda mais essa área.

Outra boa notícia para os fabricantes de ônibus foi o anúncio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) de que será lançada, ainda este ano, uma licitação para aquisição de 6 mil ônibus escolares. Em relação às exportações, há razões para comemorar. “Com o dólar girando em torno de R$ 3,15, as vendas para fora continuarão em um bom ritmo. Em 2017, o crescimento foi de 12,7% em relação a 2016, e quase 40% maior que em 2014”, conta Martins, que está otimista quanto a 2018: “Sofremos uma queda violentíssima e, agora, estamos vendo melhorar devagarzinho. Esperamos que o mercado como um todo dê um salto de pelo menos 15% no ano que vem”.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) – que inclui um leque mais amplo de veículos (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus), máquinas agrícolas e rodoviárias autopropulsadas (tratores de rodas e de esteiras, colheitadeiras e retroescavadeiras)– registrou ótimos números em 2017. Com um total de 27 empresas associadas atualmente, a entidade está fechando o ano com uma média de vendas acima de 9,5 mil unidades por dia.

“Ainda não é o número dos melhores momentos do setor, mas retrata o recomeço de um ciclo de crescimento para a indústria automobilística. Os índices de exportações indicam a possibilidade de recorde histórico em 2017, quando poderemos atingir cerca de 750 mil unidades enviadas ao exterior. Somada, a produção deve chegar à faixa de 2,7 milhões de veículos”, comemora o presidente da Anfavea, Antônio Megale.

De acordo com Megale, a redução da inflação, da taxa de juros e do desemprego; o crescimento das exportações, da produção agrícola e do índice de confiança; e o aumento do fluxo no comércio e da movimentação de caminhões nas estradas foram fatores determinantes para a recuperação das empresas, que estão em fase de ampliação e modernização. De 2016 para 2017, o aumento na produção foi de 28,5%.

“Os últimos anos foram extremamente desafiadores para os fabricantes, pois vivemos quedas seguidas de vendas e produção. Nesse aspecto, 2017 foi muito importante, tanto pela recuperação do mercado e das exportações quanto pelos inúmeros investimentos anunciados por várias de nossas associadas”, conta o presidente da Anfavea. “Em 2018, a estabilidade no cenário político será fundamental para manter o ritmo de retomada do crescimento. Implementar uma mobilidade urbana de qualidade no país é um processo longo e difícil, mas acredito que estamos no caminho certo ao buscar projetos com maior planejamento”, conclui.

 

2018: O ano da virada

Além da esperança depositada na aprovação da Cide Verde e do otimismo de empresários em relação a crescimento e vendas, há, ainda, aquelas novidades que, apesar de serem de 2017, produzirão efeitos práticos somente a partir de 2018. Um bom exemplo disso é a nova planilha de cálculo dos custos do transporte público. Lançada em agosto deste ano, após quatro anos de intenso trabalho, a metodologia ensina a calcular as tarifas de modo mais realista e transparente, levando em conta todos os custos envolvidos na operação.

Entre os diferenciais da nova planilha, que atualiza a versão usada desde 1996, está o fato de que ela pode ser adaptada à realidade de qualquer município. A planilha também permite separar a remuneração do capital (investimentos feitos pelas empresas) da remuneração pela prestação do serviço (o lucro propriamente dito), propõe também a divisão mais clara entre tarifa de remuneração (ressarcimento dos operadores pelos reais custos) e tarifa pública (preço pago pelo usuário).

Na realidade atual, as tarifas cobrem todos os custos envolvidos, inclusive gratuidades e benefícios, por serem a única fonte de custeio do sistema. Outra contribuição para as empresas é a matriz de avaliação de riscos, que permite calcular os possíveis impactos negativos de determinada operação e ser remunerado para suportá-los. Ao todo são 17 tipos de riscos, entre eles, a perda de demanda, gratuidades, atos do poder público e a obrigatoriedade de implantação de novos veículos e sistemas.

“Sempre houve muita desconfiança sobre a tarifa e como as empresas operadoras são remuneradas. Essa nova planilha deixa transparente o processo de cálculo desses custos operacionais e dá segurança às operadoras. Isso pode ajudar na discussão pública sobre como formar os preços, que é um dos grandes motivos de debate e a principal dificuldade das empresas, reféns do preço da passagem, que, além de tudo, ainda banca gratuidades”, explica o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, o Branco. Estão previstos cursos da ANTP sobre a utilização da nova planilha em todo o país no próximo ano.

Para o presidente da NTU, Otávio Cunha, o importante, nesse momento, é divulgar a planilha e promover a capacitação dos gestores públicos e operadores sobre como usar esse recurso na elaboração ou renovação dos contratos de concessão. “A planilha é uma boa notícia, sobretudo para os próximos anos, mesmo porque ela pode ser atualizada sempre. A aplicação e os resultados práticos virão ao longo do tempo”, observa Cunha.

 

Investimentos devem retomar fôlego

Em dezembro de 2017, o Programa Refrota completa seu primeiro aniversário. E, apesar de ter sido muito celebrado na época de seu lançamento, os resultados do programa ainda são tímidos. Criado pela Secretaria de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades (Semob) em parceria com a Caixa Econômica Federal (Caixa) e a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), além dos fabricantes de chassis e carrocerias, o Refrota prevê R$ 3 bilhões em recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para renovação e ampliação da frota brasileira de ônibus urbano. A meta é financiar 10 mil veículos.

Segundo a Semob, 1.836 veículos estão em fase de análise e aquisição no momento. Desse total, 167 já foram contratados e devem começar a circular em breve. Para representantes do setor, a demora na aprovação de financiamentos é um gargalo do Refrota. “O programa ainda não surtiu os efeitos esperados. O dinheiro está com a Caixa, mas é preciso vencer a burocracia para que esses recursos possam fluir. Esperamos que haja uma resposta positiva já nos próximos meses, e que tenha Refrota todo ano”, destaca o presidente da Fabus, José Antonio Martins.

O presidente da NTU, Otávio Cunha, concorda. “O programa chega em um momento muito bom, por ser específico para financiamento, mas ainda não atendeu as necessidades do setor. A Caixa não tem a cultura de emprestar para empresas de transporte, pede garantias além do necessário. Há demora na área de avaliação de risco e de crédito por desconhecimento mesmo sobre o nosso setor. Enquanto isso, assistimos ao envelhecimento da frota”, lamenta.

Mas, por mais que haja pressa, o setor como um todo apoia o Refrota, que, segundo o secretário Nacional de Mobilidade Urbana, José Roberto Generoso, ganhou fôlego com a entrada de novos agentes financeiros como o Banco Mercedes e deve deslanchar em 2018. “Esperamos que a taxa de contratação do programa cresça significativamente no próximo ano, considerando o cenário econômico promissor e o aumento da divulgação do programa”, analisa.

Além disso, a secretaria atualizou o Programa de Infraestrutura de Transporte e da Mobilidade Urbana (Pró-Transporte) de 2008, conforme os termos da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012). Entre outras vertentes, ele prioriza o transporte público sobre o transporte individual, permite o financiamento de Planos de Mobilidade Urbana e de estudos e projetos executivos do setor – antes, os recursos só eram liberados para obras.

O Programa Avançar Cidades – Mobilidade Urbana, por sua vez, tem como objetivo proporcionar mais qualidade de vida à população por meio de investimentos em projetos e ações do setor. Estão previstos recursos de R$ 3,7 bilhões em financiamentos pelo Programa Pró-Transporte. Até agora, já foram inscritas 1.442 propostas por 153 municípios de 22 estados. O processo seletivo é contínuo. “Trabalhamos em 2016 e em 2017 para que 2018 seja o ano da retomada de investimentos em mobilidade urbana”, finaliza Generoso, otimista.

 

30 ANOS DE NTU

Em 2017, a NTU completou três décadas de existência e atuação em busca de melhorias na mobilidade urbana no Brasil. Para celebrar esse momento especial, a entidade lançou, em novembro, o livro NTU 30 Anos, que conta a trajetória do transporte público por ônibus no país. Com 200 páginas, a obra registra as várias mudanças vividas pelo setor e as personalidades que contribuíram para seu crescimento. (Veja a cobertura completa do lançamento na seção “NTU em Ação”, página 26).

Em vias de iniciar mais um ano de muita luta, a Associação criou um grupo de estudos estratégicos composto por integrantes do setor, especialistas e representantes de atividades relacionadas ao transporte para debater e articular soluções novas para problemas estruturais e antigos do setor de transporte público urbano no Brasil. O esboço de plano estratégico de longo prazo, elaborado pelo grupo, está estruturado em 10 eixos principais de atuação e vai orientar as ações e propostas a serem executadas no decorrer de 2018. Um deles chama a atenção: o maior diálogo com a sociedade, o que inclui a criação de uma agenda positiva de ações sociais para aproximar o setor de usuários e não usuários.

“Podemos nos envolver em campanhas como Outubro Rosa, Novembro Azul, Um Dia Sem Automóvel, além de contribuir para o combate ao assédio sexual no transporte público e para a redução da emissão de gases poluentes, por exemplo. O ano de 2018 pede mais atuação dos empresários do setor e, para isso, estamos firmando até uma parceria com a ONU”, revela Otávio Cunha, que exalta a necessidade de “pensar fora da caixa” para resolver os problemas de mobilidade urbana que tanto afetam a população: “As soluções para o transporte público estão fora das garagens das empresas. E nós seguiremos atrás delas”.

Matéria públicada na Revista NTU Urbano, edição novembro/novembro 2017*

 

Tópicos
transporte público - NTU Urbano - mobilidade urbana - investimentos - empresas de transporte
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