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Vale-transporte, o direito social do trabalhador brasileiro e a reforma trabalhista

04/12/2017 | Artigo

Com 30 anos de existência, o vale-transporte tem se firmado como um instrumento eficaz de redistribuição de renda, ao garantir o deslocamento de milhões de trabalhadores brasileiros de suas casas até o local de trabalho e vice-versa. O benefício proporciona um subsídio direto do sistema produtivo formal à classe trabalhadora, caracterizando-se como um direito social cujo resultado positivo pode ser constatado diariamente em todas as cidades brasileiras.

Ao longo de sua existência, a legislação que instituiu o vale-transporte sofreu pouquíssimas alterações, um grande ganho em um país em que as leis são alteradas a todo o momento, inclusive mediante medidas provisórias; isso demonstra que o direito ali regulado em 1985 é incontestável e bem aceito pela sociedade brasileira.

Mesmo assim, existem iniciativas que tentam denegrir esse direito social e até mesmo extingui-lo, seja por atos negociais, pareceres jurídicos ou decisões judiciais, permitindo a sua substituição por pecúnia.

Devemos observar que a Lei nº 7.418, de 1985, estabelece de maneira clara e objetiva a obrigação do empregador em adquirir o vale-transporte e disponibilizá-lo ao seu empregado, ou seja, uma obrigação de dar a coisa certa, na definição jurídica.

Essa obrigação se constitui a partir de um corpo certo e concreto, seja o vale-transporte em papel ou em crédito eletrônico, e estabelece entre o empregador e o empregado uma relação obrigacional, um vínculo em que uma parte entrega à outra uma coisa individualizada.

Dessa forma, não haveria como as partes – empregador e empregado – cumprirem com essa obrigação se a coisa certa que é o seu objeto, no caso o vale-transporte, fosse substituída por dinheiro ou qualquer outra forma de benefício, pois estaríamos transformando uma simples obrigação legal em uma obrigação alternativa ilegal.

É importante observar que a condição de obrigação alternativa ilegal deve-se à inexistência de previsão legal de substituição da obrigação principal, ou seja, na legislação do vale-transporte não há previsão de substituição legal expressa do benefício por dinheiro. A única exceção que o legislador permitiu quanto à obrigação de conceder o vale-transporte está prevista no artigo 8º, quando o empregador proporcionar, por meios próprios ou contratados, em veículos adequados, o transporte coletivo dos seus trabalhadores.

Se o legislador tivesse a intenção de permitir que o vale-transporte fosse substituído por dinheiro ou outra obrigação alternativa de mesma valoração, o teria feito no texto da lei. Se não o fez, não cabe às partes envolvidas transacionarem obrigações alternativas em substituição, salvo mediante autorização legislativa para este fim.

O Decreto nº 95.247/1987 regulamenta a obrigatoriedade da concessão do vale-transporte. Seu artigo 5° proíbe expressamente o fornecimento do benefício em pecúnia, com base no entendimento implícito da legislação originária, tornando essa compreensão mais clara e mais didática para o intérprete no momento de aplicar a norma legal.

O entendimento de que o vale-transporte pode ser substituído por dinheiro, uma vez que a lei que o criou não veda tal substituição, e que o artigo 5º do Decreto nº 95.247/1987 não deveria ser considerado por ter regulado uma matéria que não estava prevista na lei original, é uma interpretação equivocada, pois caso assistisse a devida razão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ED RE 478.410, não teria decidido que a concessão do Vale-Transporte em dinheiro “é um ilícito que deve ser reprimido por meios próprios”.

Recentemente, em decorrência do processo legislativo da Reforma Trabalhista, foi sancionada a lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que altera a CLT e que entrará em vigor neste mês de novembro.

Na nova lei, constata-se que o legislador estabeleceu o rol de direitos que podem ser objeto de negociação entre empregado e empregador, mediante convenção e acordo coletivo de trabalho, e que o vale-transporte não foi incluído entre os direitos que poderão ser negociados.

É possível que surjam alguns afoitos afirmando que o artigo 611-A da nova legislação permite a inclusão de outros direitos, face à expressão “entre outros”, e dessa forma o vale-transporte poderia ser incluído como um outro direito, tornando-se assim objeto de negociação coletiva.

Essa possível interpretação está longe da legalidade necessária, pois o vale-transporte é um direito regulado mediante legislação específica fora da CLT, ou seja, não está incluso no rol de direitos do trabalhador na CLT como férias, salário, abonos e gratificações, entre outros; dessa forma, haveria a necessidade de uma previsão legal expressa na nova lei da Reforma Trabalhista quanto a esse direito, visando afastar qualquer dúvida em relação à aplicabilidade da norma ao caso concreto.

Mais uma vez, se o legislador tivesse a intenção de permitir que o vale- -transporte fosse objeto de negociação entre empregado e empregador, teria incluído no texto da nova lei tal possibilidade, alterando expressamente a Lei n° 7.418/85.

Dessa forma, não há outra interpretação que não seja a de que a Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017, não incluiu o vale-transporte como direito a ser objeto de negociação ou acordo coletivo entre empregador e empregado, e que a Lei nº 7.418/1985 encontra- se em plena vigência, devendo ser cumprida em sua totalidade.

O vale-transporte, como direito social do trabalhador de ter o transporte público diário de sua casa até o local de trabalho e vice-versa, contribui para o exercício dos valores sociais do trabalho (artigo 1° da Constituição Federal), estando em harmonia com os demais direitos fundamentais e sociais (artigos 5° e 6° da Constituição Federal).

 

Artigo de Ivo Carlos de A. Palmeira, Coordenador Jurídico da NTU, publicada na revista NTU Urbano, edição setembro/outubro 2017*

Tópicos
transporte público - vale-transporte - NTU Urbano
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