Especialistas apresentam soluções para o transporte coletivo urbano
01/12/2017 | Seminário Nacional NTU
Em 2016, o transporte coletivo de passageiros teve uma redução de quase 3 milhões de usuários por dia, segundo dados do Anuário 2016-2017 da NTU. E, de acordo com pesquisa realizada entre os dias 12 e 23 de junho deste ano, pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em parceria com a NTU, cerca de 62% das pessoas que abandonaram os ônibus voltariam para o transporte coletivo se o valor da passagem fosse menor.
No entanto, o alto preço da tarifa é apenas um dos itens que estão no rol de preocupações dos passageiros do transporte coletivo urbano no Brasil. A qualidade no transporte público é hoje uma demanda social, razão pela qual foi escolhida como tema para o Seminário Nacional NTU 2017.
No decorrer do Seminário, promovido no mês de agosto de 2017, as discussões mostraram que é possível transformar o serviço de transporte coletivo urbano, tornando-o melhor, mais atrativo e acessível. Para isso, o esforço deve partir de todos os lados: governo, sociedade e empresários. O evento da NTU, em sua 31ª edição, colocou todos esses atores frente a frente para dialogar e buscar soluções. A Revista NTU Urbano traz os principais destaques dos dois dias de debates que ocorreram no Transamérica Expo Center em São Paulo.
FINANCIAMENTO E QUALIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO
Existe a necessidade de novas fontes de recursos para o custeio do transporte coletivo, já que, atualmente, os custos do serviço – incluindo gratuidades e benefícios tarifários – são cobertos, exclusivamente, pela passagem paga pelos usuários que utilizam o serviço. A questão foi tratada no primeiro painel do Seminário, que abordou o tema “Financiamento versus qualidade nos serviços de transporte público”.
Além disso, a racionalização do transporte coletivo, com medidas de priorização do ônibus, foi uma das estratégias citadas na abertura do encontro pelo presidente executivo da associação, Otávio Cunha, como alternativa para mais qualidade no transporte.
“Para tarifas mais acessíveis, deve ser feita a flexibilização das rotas e a atualização das redes de transporte, para que os passageiros tenham mais opções de linhas e horários. E dar preferência nas vias aos coletivos. A CIDE – proposta de taxação adicional sobre os combustíveis para repasse a um fundo destinado ao transporte público coletivo – também pode ser um dos caminhos para resolver essa questão”, propôs Cunha durante a abertura.
Sobre os benefícios tarifários, que têm implicações no valor da tarifa, ele disse que: “é necessário encontrar formas de mantê-los sem onerar ainda mais o passageiro que paga a tarifa”. Essa opinião teve reforço na fala do senador Acir Gurgacz, que destacou que representa o setor com conhecimento de causa e sustentou que a tarifa é quem banca o serviço. “É o trabalhador quem paga pela gratuidade do jovem e do idoso”, destacou.
Sobre essa questão, uma das propostas é que os custos das gratuidades e benefícios passem a ser custeados por fundos educacionais ou de assistência social já existentes, como o Fundo Nacional do Idoso e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Contribuíram ainda para a discussão do tema o jornalista e editor do jornal Valor Econômico Cristiano Romero, o prefeito de São José dos Campos (SP) e vice-presidente de Mobilidade Urbana da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Felício Ramuth, o secretário Municipal de Mobilidade e Transporte de São Paulo, Sérgio Avelleda, e o diretor técnico da NTU, André Dantas.
INFRAESTRUTURA: É PRECISO INVESTIR EM PROJETOS DE QUALIDADE
A priorização do transporte público coletivo urbano, com a participação do governo federal, dos estados e dos municípios, é o caminho para enfrentar os desafios do setor. A necessidade de articulação entre todos esses entes para um transporte melhor também foi consenso entre os debatedores do painel “Infraestrutura do transporte público: como garantir a continuidade dos investimentos”.
O secretário nacional de mobilidade urbana do Ministério das Cidades, José Roberto Generoso, admitiu que o governo federal não é capaz de cumprir a promessa de tratar o transporte coletivo como prioridade. Generoso, que abriu esse debate, explicou que é preciso ter condições e projetos melhores. “Precisamos acabar com essa onda de maus projetos. Com projetos bem estruturados, o custo será menor”, completou.
Generoso também defendeu que a operação de transporte público tem que ser feita pelo setor privado: “A realidade hoje é que com a crítica situação econômica do país, o governo federal não é capaz de cumprir a promessa de tratar o transporte coletivo como prioridade”.
O secretário citou que as regras que regiam o financiamento com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) mudaram e que agora existe uma nova linha de crédito para o transporte, o Refrota 17, que faz parte do Programa Pró-Transporte. Criado em conjunto com a NTU e fabricantes de ônibus, o programa busca oferecer mais disponibilidade e condições de financiamento para a renovação da frota. “O governo federal está liberando R$ 3 bilhões por meio do programa Refrota para a compra de 10 mil ônibus”, informou.
Investimentos privados no setor e parcerias público-privadas poderiam melhorar a infraestrutura necessária para que o transporte público funcionasse com mais eficiência e qualidade. Essa é a opinião do presidente executivo do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), Francisco Christovam. “Fazer PPP é uma forma de trazer a iniciativa privada para se responsabilizar também pela infraestrutura”, ressaltou. “Hoje não conseguimos tratar da questão de mobilidade urbana sem falar em qualidade da infraestrutura”, afirmou.
O mediador do painel, Marcos Bicalho, exibiu um vídeo sobre a qualidade do transporte coletivo depois da implementação das faixas exclusivas para os ônibus em Fortaleza (CE). Contou que as faixas dão mais agilidade aos trajetos e que o projeto cearense conseguiu uma redução do tempo de viagem de até 200%. “Projetos simples dão resultado imediato, com custo muito barato”, exaltou Bicalho, que é diretor administrativo e institucional da NTU.
Célio Freitas Bouzada, presidente da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), elogiou as propostas para a mobilidade urbana apresentadas pelo secretário de mobilidade urbana do Ministério das Cidades e observou: “O financiamento desses projetos representa um avanço que vai ajudar os municípios”. Bouzada também ressaltou a importância de os municípios contarem com fontes de recursos e programas contínuos.
Já o especialista em planejamento da mobilidade urbana e meio ambiente Renato Boareto deu uma visão mais geral sobre o financiamento da infraestrutura e afirmou: “Todos aqui temos interesse que o sistema de transporte público dê certo. Isso é fundamental. O transporte público é o único que pode ser universalizado”. Boareto acredita que está na hora de colocar o transporte público no centro das discussões e que o setor tenha a sua importância reconhecida.
GARANTIA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO
Outro tema de grande preocupação, o cumprimento dos contratos de concessão, foi abordado por empresários e especialistas no assunto que debateram medidas que possam solucionar esse problema. O terceiro painel foi mediado pelo empresário e conselheiro da NTU Edmundo de Carvalho Pinheiro, que enfatizou a necessidade de os contratos serem respeitados pelo poder concedente. “Ou o setor se resigna ou enfrenta a situação. Temos que melhorar para fazer este enfrentamento de ordem jurídica, o setor deve estar mais preparado”, enfatizou.
O painel foi apresentado pelo sócio da Rhein Schirato, Meireles e Caiado Advogados, o professor doutor em direito administrativo da Faculdade de Direito da USP, Vitor Rhein Schirato, que destacou a necessidade de se construir contratos que de fato tragam a segurança necessária para as organizações privadas não ficarem à mercê do poder concedente.
“Se existe um contrato, ele deve ser cumprido, afinal as regras devem ser respeitadas por ambas as partes. No meio do contrato o concessionário não pode permitir que o poder público mude as regras. Antes de o concessionário assinar, deve fazer uma avaliação criteriosa para avaliar inclusive se tem condição de cumpri--lo”, esclareceu Schirato, que foi entrevistado pela Revista NTU Urbano - edição 28.
A procuradora do Estado de São Paulo, Camila Rocha Cunha Viana, acrescentou que é sempre bom revisar o contrato que está sendo feito e que ainda pode melhorar. “A solução é amarrar bem as partes pelo contrato. Também pode discutir se cabe alguma alteração, inclusive uma modelagem sofisticada com regras, revisão e normas que podem ser feitas no futuro. Este é um dos caminhos”, sugeriu.
Para o assessor jurídico do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), Antônio Sampaio Amaral Filho, a garantia do setor de ver o contrato cumprido está cada vez mais complicada, mesmo com a melhoria da qualidade do serviço oferecido pelas empresas. “O caminho é árduo, mas temos confiança na pujança do operador”, acredita Sampaio.
TECNOLOGIAS AJUDAM O SETOR
A oficina de ITS (Sistemas Inteligentes de Transporte), que acontece sempre no último dia dos Seminários da NTU, discutiu soluções que buscam aprimorar a oferta de serviços aos usuários. Dividida em três painéis, abordou temas que impactam diretamente a operação do transporte coletivo urbano brasileiro, como a produtividade das empresas, a retirada do dinheiro dos ônibus com novas formas de pagamento e as inovações para o processo de transformação da mobilidade urbana.
Um dos debatedores – Maurício Corte, representante da empresa Clever Devices – alertou para a necessidade de investimento em soluções integradas e afirmou que é a tecnologia que garante confiabilidade ao serviço. “Precisamos colocar a tecnologia a favor do empresário. Planejamento para isso é essencial”, ressaltou. Corte ainda sugeriu que o setor encare a tecnologia como investimento e não como um custo.
Contribuíram para esse debate: Valter Luiz da Silva, da BGM Rodotec; Paulo Fraga, da Cittati; Jefferson Arrivabene, da Giro; Marco Muniz, da M2M; Alexander Hammerschmidt, da Transoft; e Victor Celada de Carvalho, da Goal Systems.
O segundo painel discutiu como a tecnologia pode ser utilizada para a retirada do dinheiro de dentro dos ônibus. Rubens Gil FernandesFilho, representante da Autopass/SP, mediou e aproveitou o gancho do primeiro painel para introduzir o tema “revolução digital” e como isso vai impactar a bilhetagem. Entre os participantes estavam: Jaílson Felisbino, da Dataprom; Abel Alarcon, da Digicon; Milton Silva Jr., da Empresa 1; Júlio Grillo, da TACOM; Rafael Teles, da TransData; e Leonardo Ceragioli, da Prodata.
Os painelistas concordaram que o principal desafio é a integração de todas as tecnologias no sistema de bilhetagem. Abel Alarcon tocou num ponto que preocupa o setor, a redução na quantidade de passageiros, e sugeriu que as novas tecnologias ajudarão a trazer de volta os usuários se levar em consideração todos os perfis de público e criar meios de pagamento apropriados para cada um. “Facili-tar o acesso para todos, para que esse usuário volte ao transporte público, volte a andar de ônibus”, argumentou o representante da Digicon.
O último debate da oficina foi em torno do tema “O futuro começa agora” e contou com a presença de Dimas Barreira, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte do Estado do Ceará (Sindiônibus), que mediou e iniciou a discussão perguntando como o setor pode usar a tecnologia para atender às expectativas dos usuários.
Os participantes Ernesto Pesochinsky, da Mobileye; Gabriel Feriancic, professor da Poli-USP; Francisco Giacomini Soares, da Qualcomm; Gregório Pires da Silva, da Telit; e John Krumheuer, da Trimble, explicaram que uma das melhores formas de uso da tecnologia no setor é a adoção de um protocolo padronizado e métodos compartilhados para obter dados.
De acordo com Gregório Pires da Silva, “Se todos colaborarem e compartilharem os dados, teremos sistemas mais seguros e custos mais baixos”. Gabriel Feriancic afirmou que, no Brasil, o custo é a maior preocupação do setor atualmente e com isso esquecemos da qualidade dos serviços. Ele também deixou claro que nem todos os usuários têm acesso a smartphones e outros dispositivos, como é o caso em outros países, o que dificulta a implementação de certas tecnologias.
FEIRA TRANSPÚBLICO
Com 49 empresas expositoras, a Feira Transpúblico, realizada em paralelo ao Seminário Nacional NTU 2017, contou com 2.422 visitantes. Realizada a cada dois anos, a feira sempre busca mostrar as inovações da indústria do transporte por ônibus.
Matéria publicada na Revista NTU Urbano, edição setembro/outubro 2017*