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População quer tarifa mais barata e transporte de qualidade

21/11/2017 | NTU

Quando estamos diante de um problema, devemos parar, analisar suas causas e consequências, pensar em soluções, e então agir. Com o transporte público, que passa por uma crise histórica, a receita não poderia ser diferente. Para avaliar a satisfação e as expectativas de usuários, entender melhor os desafios do setor e identificar soluções, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) realizaram a pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017.

Lançada no fim de agosto durante o Seminário Nacional NTU 2017, em São Paulo, ela traz dados importantes sobre os hábitos da população brasileira em relação aos deslocamentos, suas principais reclamações e necessidades no que diz respeito ao transporte público, além, é claro, de possíveis caminhos para resolver os entraves. A pesquisa é inédita por ter ido diretamente à fonte – os cidadãos, usuários, ex-usuários e não usuários do sistema. Ao todo, foram 3.100 entrevistas em 35 cidades com mais de 100 mil habitantes.

Para começar, o transporte público aparece em quarto lugar na lista dos principais problemas sociais, atrás apenas de segurança, saúde e desemprego. Isso, por si só, já demonstra a importância de melhorar as condições do serviço, que foi se deteriorando e perdendo parte de seu público ao longo do tempo – somente nos últimos três anos (2014 a 2016), a demanda encolheu 18%, segundo dados do Anuário da NTU 2016-2017. Uma realidade comprovada pela pesquisa de mobilidade realizada pela NTU em 2006, segundo a qual 70% da população se deslocava diariamente, sendo 79% das viagens para trabalho, compras ou estudo, e 85% por meios motorizados.

Na pesquisa deste ano, apenas 59% dos entrevistados realizam deslocamentos em todos os dias úteis da semana, enquanto 11,6% se deslocam entre três e quatro dias, também de segunda a sexta. O ônibus permanece na liderança dos modais mais utilizados, com 45,2%, seguido do carro próprio (22,2%) e da locomoção a pé (21,5%), sendo este último o modo mais utilizado pelas classes C e D/E – as mais atingidas pela crise econômica, uma das causas da retração da demanda.

A principal motivação para as viagens, segundo a nova pesquisa, continua sendo o trabalho (53,3%). O segundo colocado nesse quesito é “fazer compras”, com 13,7%. Na sequência, vêm os estudos, acumulando 9,7%. É importante ressaltar que esses dados sobre deslocamentos levaram em consideração apenas os dias úteis, o que justifica a baixa representatividade dos programas de lazer e cultura.

Na pesquisa NTU de 2006, os passageiros estavam mais interessados em conforto e viagens mais rápidas. Onze anos depois, a maior preocupação da população se concentra no bolso: todos querem uma tarifa mais barata. Não é que a comodidade dentro dos ônibus e a agilidade nos percursos não interessem mais. O valor cobrado é que passou a ser prioridade. De acordo com o estudo, a maioria dos entrevistados (62,4%) voltaria a usar transporte público caso houvesse redução de tarifa.

Outro ponto sensível é a flexibilidade do serviço em relação a opções de horários e rotas. Para 30,3% dos entrevistados, a atual oferta de serviço do sistema é muito limitada. “A população tem sentido os impactos do cenário econômico ruim, com desemprego e dificuldades financeiras. Além disso, são pessoas com acesso a tecnologias (69,8% dos entrevistados acessam a internet). Portanto, estamos diante de um usuário com perfil mais exigente. É fundamental recuperar parte dessa demanda para reduzir a tarifa”, avalia o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha.

 

Problema Antigo

Apesar de ter ganhado força nos últimos anos, a queixa a respeito da tarifa não é a única. A pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017mostra que há outras necessidades importantes, apontadas como condições para o retorno ao transporte público: mais rapidez das viagens(25,4%), flexibilidade dos serviços(24,6%),mais conforto (22,1%),pontualidade (15,4%) e mais segurança(14,1%).

“Há uma parcela ainda mais exigente, e que não necessariamente se importa com o preço da tarifa. Mesmo de graça e com serviços extremamente avançados, essas pessoas não andariam de ônibus, essa palavra sequer faz parte do vocabulário delas. E não há problema, nós já sabemos disso. A nossa luta é para oferecer um transporte de qualidade àqueles que precisam, que são a grande maioria”, destaca o diretor técnico da NTU, André Dantas.

 

Mas, antes de sonhar com o retorno dos passageiros perdidos, é preciso voltar no tempo e fazer uma retrospectiva dos problemas que levaram a esse cenário de queda constante na demanda. Lá atrás, quando as pessoas começaram a migrar para as áreas urbanas, a falta de planejamento levou a uma ocupação inadequada, com formação de periferias lotadas, ao mesmo tempo em que os serviços básicos se concentravam no centro. Assim, com a falta de investimento em infraestrutura de mobilidade urbana, os deslocamentos foram ficando cada vez mais longos e ineficientes.

Depois, vieram as políticas de incentivo ao transporte individual, com isenção de impostos para compra de automóveis e aumento da gasolina muito inferior ao do diesel– 191,3%menor ao longo dos últimos 18 anos. Ou seja, passou a ser mais vantajoso ter carro próprio. O que levou o trânsito a ficar mais congestionado, e as bviagens de ônibus, mais demoradas e caras. A crise econômica não ajudou em nada: usuários das classes A e B adquiriram carros, ao passo que a parcela das classes C, D e E passaram a fazer seus trajetos a pé.

Segundo a pesquisa, 35,8% dos entrevistados migraram para o carro próprio; 29,1% passaram a andar a pé; 7,9% aderiram às bicicletas; 7,8%,às motos; e 3,5%, aos metrôs. Outras opções, como táxis, serviços de carona e de aplicativos de celulares, somados, chegam a 10%. Levantamento da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) aponta que, em 12 anos, os números do transporte coletivo não saíram do lugar, enquanto o transporte individual saltou 16% e o transporte não motorizado cresceu 7,2%.

E não para por aí: as constantes quebras de contrato, quando o poder público, por pressão popular, não concede os aumentos tarifários previstos, também contribuem para o endividamento das empresas operadoras, piorando, e muito, a situação. Sem conseguir competir, o transporte público passou a “respirar com a ajuda de aparelhos” e, agora, corre o risco de entrar em colapso. “Se algo muito sério não for feito, o sistema todo vai despencar. E não é um problema técnico. São problemas políticos que geram a insustentabilidade do serviço”, avisa Dantas.

 

Hà investimentos, mas é preciso mais

Dados divulgados no Anuário da NTU2016-2017 revelam que, nos últimos nove anos, houve uma retoma da importante dos investimentos em mobilidade urbana. Isso após 30 anos sem qualquer investimento relevante em infraestrutura para transporte público por ônibus. Entre os anos de2009 e 2017, foram cadastrados 614empreendimentos. Desse total, 219 já estão em pleno funcionamento, ou seja, 35,7%. Os projetos que mais receberam recursos, por sua vez, foram os de BRT e os corredores e as faixas exclusivas, que, juntos, representam 80,8% das intervenções.

Os grandes eventos realizados no país nos últimos anos, a exemplo da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, no ano passado, estimularam boa parte desses investimentos. Em seminário realizado pela NTU no início de junho deste ano, em Brasília, a Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades (Semob) revelou que há recursos; somente em 2016,havia R$ 84,33 bilhões destinados para investimentos na área. Faltam, porém, projetos de qualidade para utilizar essa verba: a pasta recebeu136 projetos que não se sustentavam e, com isso, o recurso de cerca de R$23 bilhões não foi aproveitado.

“A implementação dos planos de mobilidade e diretor urbano integrados são pilares para o enfrentamento do caos urbano que vivemos. Aprimorar o planejamento e investir em itens que promovam ganhos de qualidade dos sistemas de transporte, melhorando o conforto do cidadão e tornando o transporte público coletivo mais atraente, devem ser os norteadores da atuação do poder público, de forma a combater o colapso no setor”, reconhece o secretário nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, José Roberto Generoso.

A atual carteira de investimentos da Semob possui 194 empreendimentos, dos quais 119 de infraestruturas de transporte coletivo sobre pneus (faixas exclusivas, BRTs e corredores de ônibus). Ao todo são mais de R$ 22 bilhões, dos quais R$ 15,1bilhões de financiamentos com juros subsidiados e R$ 6,98 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU).Dos 119 empreendimentos, 6 foram concluídos entre maio de 2016e agosto deste ano, 65 estão em obras e 40 não foram iniciados. Amá notícia é que, a partir deste ano, a previsão é de queda no orçamento destinado ao setor (ver quadro).É preciso lembrar também que a falta de crédito para concessão de empréstimos aos municípios não facilita em nada a obtenção de recursos para o transporte.

Apesar da queda nos investimentos, o governo federal tem buscado alternativas para que o transporte público saia da zona de perigo. Entre as iniciativas estão o Programa de Renovação de Frotas (Refrota 17), que prevê financiamento para 10 mil novos ônibus, e o Programa Avançar Cidades– Mobilidade Urbana, cujo foco é justamente o transporte coletivo por ônibus, com recursos para pavimentação e implantação de terminais, estações e abrigos, por exemplo.

Pedestres e ciclistas também têm sido observados com atenção. Antes, o acesso a valores do FGTS para estruturas que atendessem a esses públicos só era possível se estivessem ligadas a grandes obras de infraestrutura, como metrô e BRT. Agora, já é possível priorizar esses modais, com projetos específicos. “Compreender a política de mobilidade urbana inserida no contexto do desenvolvimento urbano integrado é o maior desafio do setor. E esse desafio é grande, mas só assim será possível garantir a todos, em especial aos grupos mais vulneráveis, o acesso às oportunidades da vida urbana de forma digna e segura”, conclui Generoso.

 

Nem só de problemas é feito o setor

Mas de nada adianta falar apenas em problemas e não apontar soluções. Por isso, a pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017lista alguns caminhos que podem dar fôlego ao transporte público. O principal deles é a aprovação da chamada Cide Municipal. Idealizada pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a proposta prevê a criação de um imposto sobre a venda a varejo de gasolina, etanol e gás natural veicular, para custeio exclusivo do transporte público.

A cobrança será feita diretamente sobre o valor pago pelos consumidores ao abastecerem seus carros particulares nos postos. O valor arrecadado irá para um fundo comum único fim: custear o serviço de transporte público coletivo. A ideia é criar novas fontes de recursos para o setor e dividir de forma justa a conta: hoje, os carros ocupam 75% das via se carregam somente 20% dos usuários, enquanto os ônibus ocupam 20% do espaço urbano para transportar70% da população.

Após aprovação da proposta de emenda à Constituição em comissão especial da Câmara dos Deputados, por unanimidade, a Cide Municipal aguarda atualmente votação no Plenário daquela casa. Com a agenda política conturbada da Casa, repleta de pautas ligadas à economia, reformas e escândalos de corrupção, não sobra muito espaço para o transporte.

“Não há um ambiente favorável para a votação da Cide Municipal, que é uma alternativa importante e atenderia justamente à principal demandada população, apontada pela pesquisa, que é de redução da tarifa.Com o tributo, poderíamos custearem até 30% o serviço”, ressalta o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha. O vice-presidente de mobilidade urbana da FNP, Felício Ramuth, concorda: “A Cide Municipal pode ajudar bastante a trazer essas melhorias que a população tanto quer”.

Desistir? De forma alguma. A NTU e as demais entidades interessadas em oferecer um transporte público de qualidade para a população continuarão o trabalho de intermediar essas discussões nos âmbitos dos poderes Executivo e Legislativo. “Para nós, foi uma satisfação ver que nossas lutas estão alinhadas com as expectativas da população, o que ficou muito claro com a pesquisa. Sabemos o que essas lutas representam na vida de milhões de pessoas”, defende o diretor técnico da NTU, André Dantas.

Para além da Cide Municipal, a NTU também aposta no Programa Emergencial de Qualificação dos Serviços Convencionais. Voltado para cidades com população superior a 250mil habitantes, prevê investimentos de R$ 1 bilhão ao ano na construção de 3.300 quilômetros de faixas exclusivas em até 110 municípios, beneficiando 86milhões de pessoas no prazo de dois anos. Isso sem falar na expectativa de reduzir a emissão de CO2 em mais de 1 milhão de toneladas ao ano. O projeto foi elaborado pelo setor e entregue para avaliação do governo federal.

A pesquisa também deixa clara a urgência em conscientizar a sociedade sobre a situação do transporte público e sua importância para a qualidade de vida de todos, e não apenas dos usuários. As gratuidades, concedidas a estudantes e idosos, por exemplo, têm um impacto de 16,2% no valor das tarifas, de acordo com dados do Anuário NTU2016/2017. São os usuários que pagam essa conta também, pois o benefício está incluído no preço das passagens.

“Precisamos de um modelo de desenvolvimento urbano sustentável, evitar ações que incentivem o transporte individual, criar um fundo para investimentos em mobilidade urbana e custeio de gratuidades, reformulando de vez a política tarifária atual”, argumenta Dantas.

 

Matéria da edição setembro/outubro de 2017*

 

Tópicos
transporte público - NTU Urbano - prioridade ao transporte público - tarifas
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