O FUTURO DO TRANSPORTE PÚBLICO POR ÔNIBUS (na visão de partidos que disputam a Presidência da República)
01/10/2018 | Entrevista
Debate promovido pela Folha de S.Paulo no Seminário Nacional NTU trouxe representantes das campanhas do PT, do PSDB, do PCdoB e do MDB para discutir propostas sobre transporte público por ônibus. Os debatedores demonstraram conhecimento do tema e defenderam o fortalecimento do transporte público, a adoção de subsídios para as gratuidades do sistema, parcerias público-privadas para melhorar o serviço e incentivos do governo federal para o diesel.
Durante a 32ª edição do Seminário Nacional NTU, no último dia 1º de agosto, representantes das campanhas eleitorais dos principais partidos na briga pela Presidência da República disseram o que pensam a respeito do sistema de transporte público no Brasil, no painel “E agora, Brasil? Transporte Público”, organizado pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com a NTU.
No debate, os representantes do PT (Jilmar Tatto), do PSDB (Jurandir Fernandes), do PCdoB (Wagner Fajardo) e do MDB (Tarcísio de Freitas) criaram polêmica ao discutirem a situação dos projetos de mobilidade urbana, as gratuidades e outros temas que revelaram o posicionamento das candidaturas em relação ao transporte público.
Com relação aos subsídios ao transporte coletivo brasileiro, os debatedores assumiram posições divergentes. Houve quem apoiasse a ampliação das gratuidades e quem defendesse o benefício no formato atual. “Transporte deveria ser público, gratuito e universal. Evidentemente, o investimento tem de ser público”, disse Jilmar Tatto ao comparar o serviço com o modelo de funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Virou festa... muitas gratuidades foram dadas em momentos eleitorais”, questionou Jurandir Fernandes. “Não existe gratuidade, países que criaram tarifa zero tiveram que retroceder”.
A NTUrbano acompanhou o debate e comparou as respostas dadas para alguns dos temas discutidos:
Os municípios conseguirão entregar seus planos de mobilidade urbana?
JILMAR TATTO, ex-secretário municipal de Transportes de São Paulo, representante do candidato do PT: Não sei. O (Fernando) Haddad (ex-prefeito de São Paulo) apresentou o seu projeto e debateu na Câmara, mas há muitos municípios que não possuem área técnica adequada para fazer esses planos. Tem que haver exigência legal para criar um plano metropolitano, com poder decisório, a exemplo da área metropolitana de Madrid.
JURANDIR FERNANDES, ex-secretário estadual de Transportes Metropolitanos de São Paulo, representante do PSDB: A qualificação do transporte público tem que ser de toda a cadeia. A questão é que nós (o setor de transporte de passageiros por ônibus) nos esforçamos para melhorar, mas depois as cidades não dão condições. É a morte anunciada exigir um plano de um município de 20 mil habitantes no interior. É diferente de um município de 20 milhões de habitantes na sua zona metropolitana. Não adianta só dar prazo. O cara não tem dinheiro para fazer uma pinguela. Cidades pequenas têm que ter atenção especial. A prioridade tem que ser os grandes centros urbanos. Faltou instância metropolitana no plano; São Paulo tem cinco regiões metropolitanas. A região metropolitana de São Paulo evoluiu com o Bilhete Único. Mas e o saneamento e a saúde?
WAGNER FAJARDO, representante da campanha do PCdoB e coordenador-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo: O Ministério das Cidades deve ser o fomentador, mas precisa de infraestrutura para impulsionar a elaboração desses planos. Tem prefeituras que não têm condições técnicas. E tem que estar casado com a questão da autoridade metropolitana. A responsabilidade para a criação da autoridade metropolitana tem que ser impulsionada pelo governo federal, junto com os estados.
TARCÍSIO DE FREITAS, secretário de coordenação de projetos do Programa de Parcerias de Investimentos do governo federal (PPI), representante do MDB: É preciso estabelecer o que é prioritário. Esse é o papel do Ministério das Cidades. É necessário dar previsibilidade, enxergar o desenvolvimento do projeto. Vivemos uma farra orçamentária, a verba não é mais usada em projetos. A maioria dos projetos incluídos na lei orçamentária não tem licenciamento. Nós vivemos numa realidade em que os gestores públicos municipais precisam de ajuda. É preciso observar o ciclo dos investimentos como um todo.
Como os senhores veem a gratuidade, uma vez que a população idosa vai aumentar?
JURANDIR: Virou festa, o Fajardo disse que não devemos tirar direitos, mas 60 anos para uma gratuidade pode ser precoce, muitas gratuidades foram dadas em momentos eleitorais. Não existe gratuidade, países que criaram tarifa zero tiveram que retroceder. Nova York fez água gratuita e o uso se tornou irracional. Sem dúvida, temos que fazer parcerias público-privadas (PPPs). Não vejo agora como reverter gratuidades, mas tem que frear os populismos. Senão, o capital privado vai embora. FAJARDO: Primeiro, eu acho que o transporte tem que ser subsidiado. Gratuidade não é prêmio. O idoso que pega ônibus não é rico, recebe salário mínimo.
FAJARDO: Primeiro, eu acho que o transporte tem que ser subsidiado. Gratuidade não é prêmio. O idoso que pega ônibus não é rico, recebe salário mínimo.
“É A MORTE ANUNCIADA EXIGIR UM PLANO (DE MOBILIDADE) DE UM MUNICÍPIO DE 20 MIL HABITANTES NO INTERIOR. É DIFERENTE DE UM MUNICÍPIO DE 20 MILHÕES DE HABITANTES NA SUA ZONA METROPOLITANA. NÃO ADIANTA SÓ DAR PRAZO”. Jurandir Fernandes
“TEM QUE TER EXIGÊNCIA LEGAL PARA CRIAR UM PLANO METROPOLITANO, COM PODER DECISÓRIO, A EXEMPLO DA ÁREA METROPOLITANA DE MADRID”. Jilmar Tatto
TARCÍSIO: Acho que o corte (por idade) está errado. Tem que ver a renda, não é uma questão de idade. O critério tem que ser de renda. Existe uma questão de populismo político. Já existe o risco inerente do negócio (de transporte municipal de passageiros), que somamos ao risco político. No transporte rodoviário de passageiros tem gratuidade até para caminhoneiro. Quem paga o investidor? No caso de estudantes e idosos, há fundos que podem ser utilizados para cobrir esses benefícios.
TATTO: As pessoas falam que o Sistema Único de Saúde (SUS) é caro, o Metrô é caro, o corredor de ônibus é caro, mas não falam que Belo Monte é caro. Fica todo mundo rebaixando o debate. O usuário de baixa renda não pode pagar, o transporte público tem que ser universal e gratuito.
O governo federal é capaz de incentivar o transporte limpo? Como fica o diesel?
FAJARDO: O subsídio é uma questão a ser analisada. O impacto do diesel na tarifa é uma discussão interminável. O subsídio é comido pela política de preços da Petrobras. A energia limpa e o transporte limpo precisam ser mais incentivados.
TARCÍSIO: O subsídio hoje é necessário. Reflete na composição do custo da tarifa. O governo federal tem mecanismos para incentivar alternativas aos combustíveis fósseis, embora alguns incentivos não tenham dado certo.
“PRIMEIRO, EU ACHO QUE O TRANSPORTE TEM QUE SER SUBSIDIADO. GRATUIDADE NÃO É PRÊMIO. O IDOSO QUE PEGA ÔNIBUS NÃO É RICO, RECEBE SALÁRIO MÍNIMO” Wagner Fajardo
Por que não vemos nas cidades brasileiras as obras prometidas dentro do prazo? Por que o poder público demora tanto para construir projetos de transporte coletivo?
JURANDIR: Já começa nos editais. As licenças ambientais são ótimas, mas os órgãos ambientais demoram muito. O Tribunal de Contas da União (TCU) teve que consultar 20 entidades para dar a licença ao trem do aeroporto (trem metropolitano para o Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos - SP). Vinte entidades tiveram que ser consultadas!
TARCÍSIO: O Brasil parece projetado para dar errado. Existe um emaranhado de legislações em todas as instâncias, do municipal ao legislativo. No agronegócio somos muito eficientes, mas hoje alguns países já desenvolveram técnicas para plantar onde não chove. Instrumentos mais ágeis são armas poderosas nas mãos do bom administrador. A questão das licenças ambientais tem que deixar de ser ideológica e ser mais técnica.
TATTO: Precisamos incentivar ferrovias, o transporte marítimo, ônibus elétricos ou movidos a biocombustíveis, mas o governo federal tem que dar incentivo para o transporte limpo e rever toda a burocracia e os órgãos de controle. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quando havia uma gerente que ficava em cima (a Miriam Belchior), as obras saíam. Embasadas na legislação e com critérios para se fazer projetos bem feitos.
FAJARDO: O dinheiro público tem que ter controle. Os interesses coletivos têm que prevalecer sobre os interesses de setores. É impactante construir hidrelétricas, mas fazer metrô tem um benefício ambiental muito grande. Os mecanismos são muito burocráticos, têm que ser simplificados, não dá também para atribuir tudo ao setor privado. Tem coisas que o Estado tem que fazer.
“O SUBSÍDIO HOJE É NECESSÁRIO. REFLETE NA COMPOSIÇÃO DO CUSTO DA TARIFA”. Tarcísio de Freitas
PROPOSTAS E SOLUÇÕES PARA O FINANCIAMENTO DO TRANSPORTE COLETIVO
TATTO: O programa de governo do Partido (dos Trabalhadores) estuda maneiras de taxar o uso de veículos individuais, de forma que contribuam no financiamento do transporte coletivo. Também propõe a utilização de recursos das Reservas Internacionais. “A ideia é pegar 10% das reservas internacionais e, com outras parcerias, usar para investir em infraestrutura de transporte já no primeiro ano de governo”.
JURANDIR: A Cide, embora seja vista como mais um imposto, tem impacto deflacionário. O que ela agrega no preço sobre o combustível retira quando abaixa o valor da passagem.
FAJARDO: Uma solução para o problema do financiamento é criar um fundo nacional voltado para o setor de transporte.
Entrevistados:
JILMAR TATTO é filiado ao PT desde 1984. Foi deputado federal por dois mandatos consecutivos, entre 2007 e 2015. Paranaense de Corbélia, nasceu em 1965. Formou-se em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema, em São Paulo.
TARCÍSIO DE FREITAS é Secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parcerias de Investimentos do Governo Federal (PPI). É consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Foi engenheiro do Exército; chefe da seção técnica da Companhia de Engenharia do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti; coordenador-geral de Auditoria da Área de Transportes da CGU; diretor executivo e diretor-geral do DNIT.
JURANDIR FERNANDES é formado em engenharia pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e mestre e doutor em engenharia elétrica pela Unicamp. É coordenador do Conselho Assessor de Transportes e Mobilidade Urbana do Sindicado dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP), e presidente da seção da América Latina da União Internacional de Transportes Públicos (UITP). Foi secretário dos Transportes de Campinas e diretor de planejamento da Dersa (1999). Na gestão Alckmin foi o secretário estadual de Transportes Metropolitanos. Foi presidente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos).
WAGNER FAJARDO filiado ao PCdoB, é coordenador-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Também foi presidente da Fenametro (Federação Nacional dos Metroviários) e membro da direção nacional da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).
*Entrevista publicada na Revista NTUrbano, na edição julho/agosto de 2018.