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Reforma trabalhista e o vale-transporte

02/01/2018 | Artigo

Pendente de algumas regras fundamentais, entre elas a exata definição dos benefícios que podem ou não ser negociados entre as partes, a reforma trabalhista representa uma ameaça a conquistas históricas. É o caso de empresas que se movimentam para incluir a concessão do vale-transporte no rol dos pontos a serem flexibilizados. Isso seria um grave equívoco, que colocaria em risco esse direito do trabalhador, reconhecido como um instrumento fundamental para a política de mobilidade urbana.

Instituído em 1985 pela Lei nº 7.418/1985, como benefício facultativo que as empresas poderiam conceder aos empregados, o vale-transporte foi, desde a origem, concebido para ser usado no transporte público, assegurando aos trabalhadores o deslocamento de casa para o trabalho e contribuindo para a universalização desse serviço essencial. Ao tornar-se obrigatório, a partir de setembro de 1987, com a promulgação da Lei nº 7.619/1987, transformou-se num marco para outras conquistas trabalhistas e sociais, consolidadas com a Constituição de 1988.

Mesmo assim, o benefício chegou a responder, na média nacional, por 50% dos meios de pagamento das passagens de transporte público e, em algumas cidades, esse índice chegou a 70%. Hoje, cerca de 40% das passagens em transporte público urbano no Brasil são pagas com vale-transporte.

Segundo a pesquisa Mobilidade da População Urbana  2017, realizada pela CNT/NTU, a maioria (51,5%) dos indivíduos com 15 anos ou mais que utilizam transporte público coletivo recebem algum tipo de auxílio para esse fim, sendo que a maioria dos usuários de ônibus urbano e de transporte metroferroviário (metrô, trem e VLT) recebem o benefício na forma do vale-transporte, correspondendo a 23,4% e 28,9% dos entrevistados, respectivamente.

Chama a atenção, no estudo, a esmagadora preferência dos usuários pelo recebimento do vale-transporte na forma de crédito eletrônico ou tíquete em papel; apenas 15,1% dos beneficiados gostariam de receber em dinheiro, o que manda uma clara mensagem àqueles que cogitam incluir o vale-transporte no rol dos direitos trabalhistas a serem flexibilizados.

O fornecimento do vale-transporte em dinheiro deturpa a natureza do benefício: o trabalhador pode gastar o recurso de outra forma, comprometendo seus deslocamentos e gerando ausências no trabalho; o recurso pode ser usado no transporteindividual, intensificando o caos que se tornou o trânsito na maioria das cidades; ou, ainda pior, pode estimular o transporteilegal, levando o usuário a dispor de um serviço inseguro, de baixa confiabilidade e de péssima qualidade.

Esperamos que a recente reforma trabalhista não seja o estopim de nova batalha legal na qual tenhamos que redobrar esforços pela manutenção desse benefício, na forma da lei, visto que a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 - que instituiu a reforma - somente alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Fez isso ao incluir o artigo 611-A, com a descrição de direitos que podem ser objeto da negociação entre empregador e empregado, mediante convenção e acordo coletivo de trabalho, e dessa forma não menciona o vale-transporte nesse rol.

No entendimento dos defensores do uso legal desse benefício, o fato não favorece o pagamento do auxílio em dinheiro, visto que nem a Lei nº 13.467/2017 e nem a Medida Provisória 808/2017, que alterou a referida Lei, preveem alterações na legislação do vale-transporte. Mas é certo que surgirão argumentos equivocados indicando a inclusão do benefício como um dos itens na lista de objetos de negociação coletiva, valendo-se da lacuna deixada pelo legislador, ao acrescentar a expressão "entre outros" no artigo 611-A da lei.

Antes que se arvorem a dizê-lo, nós nos antecipamos a esclarecer que essa conquista histórica para o trabalhador é um direito regulado mediante legislação específica, desvinculada da CLT, portanto fora da abrangência legal da reforma trabalhista. E a Lei nº 7.619/1987 é clara ao vetar o fornecimento do benefício de outra forma que não seja o vale-transporte. É preocupante que o poder público não tenha tido até o momento o devido cuidado de resguardar um benefício tão precioso ao trabalhador, vedando interpretações da lei. Por isso, nunca é o bastante reforçar que a lei do vale-transporte segue em pleno vigor.

 

Otávio Vieira Cunha Filho, presidente executivo da NTU

Fonte: Correio Braziliense

 

Tópicos
transporte público - vale-transporte - NTU - mobilidade urbana
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