Vale-Transporte: conquista social do trabalhador
Redemocratização do país em curso, grave conflito econômico interno e a primeira crise do petróleo no cenário mundial. Nesse contexto político, em 1987, a NTU era criada e o vale-transporte tornou-se obrigatório no país. Os dois acontecimentos confundem-se com a história da evolução do sistema público de transporte brasileiro.
Mais ainda, a obrigatoriedade do benefício é um marco para as conquistas trabalhistas e sociais, consolidadas com a Constituição de 1988. Os números mostram isso. Com o vale-transporte os trabalhadores com menos renda, que antes investiam até 30% do salário com transporte, passaram a gastar apenas 6% do valor. Mas até chegar a essa realidade, a categoria precisou percorrer um longo caminho de luta, travada principalmente com os ministros do governo Sarney.
Quem conta a história são os pioneiros da consolidação do vale-transporte no Brasil. O diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Rogério Belda, lembra dos conflitos sociais e econômicos que deixavam um cenário desfavorável para o setor. “Era uma época de reajuste de preços em todos os setores e redução do poder aquisitivo da população. Em especial, as pessoas de menor renda. Isso deixava desfavorável a prestação dos serviços de transporte coletivo urbano”, explica.
Foi neste contexto que surgiu a ideia de se instituir um bilhete de acordo com o modelo francês, financiado entre governo, empregadores e passageiros. Em uma série de crônicas que escreveu sobre a história do vale-transporte, o jurista Darci Rebelo descreve um encontro que um grupo de empresários, formado para discutir a ideia, teve com o ministro, Delfim Netto. “Depois que acabamos nossa exposição, o ministro Delfim Netto tomou a palavra e, logo, introduziu o seu discurso com uma frase muito de seu gosto, um tanto debochada: ‘senhores, a viúva não pode pagar a conta’. argumentando com ironia e muitos exemplos, dava-nos o recado de que não esperássemos nada do poder público”, conta.
Com as negativas do governo, foi desenvolvida a ideia de um vale-transporte em que o empregador repassasse o bilhete diretamente a seus empregados, sem a intervenção do governo. a proposta foi consolidada, a partir de uma longa luta que teve vitória junto com a criação da NTU.
O presidente da Confederação Nacional dos Transportes, Clésio Andrade, aponta a instituição do vale-transporte como a primeira grande conquista da entidade. “É uma vitória que nasceu junto com a NTU. Com a obrigatoriedade do vale-transporte, o custo do serviço passou a ser dividido entre empregadores e empregados de forma justa”, aponta.
Rogério Belda lembra que o caminho de consolidação do vale-transporte não foi fácil. A ampliação de seu uso e institucionalização e reconhecimento de sua utilidade sofreu vários ataques. “Tivemos muita resistência de setores que empregam muita mão-de-obra e entidades governamentais burocráticas. lembro que chegaram a propor ao ministro Pedro Malan a assinatura de ato de extinção do benefício sob o argumento de que seria uma importante medida anti-inflacionária”, recorda.
Prevaleceu, no entanto, a consciência de que a obrigatoriedade do vale-transporte representava um benefício social aos trabalhadores. “Era um período econômico de dificuldade e extremamente sensível para as famílias de menor renda quanto a despesas de alimentação e gastos com condução. Ainda hoje, é possível imaginar o que isso significa em um momento posterior a um longo período de restrições sociais e políticas”, completa Belda.
Bilhetagem Eletrônica
Com a consolidação do vale-transporte, o meio de concessão do benefício evoluiu. A cidade de Campinas, no estado de São Paulo, foi a primeira a introduzir a bilhetagem eletrônica no sistema de cobrança passagens. Hoje a maioria dos estados brasileiros usa o sistema.
Além de garantir praticidade ao usuário e trabalhadores do transporte, a bilhetagem traz segurança à instituição do vale-transporte. Na avaliação de Belda, o sistema eletrônico diminui a corrupção, o comércio ilegal e a ação dos transportadores pirata.
Para Belda, o vale de papel deve permanecer apenas em cidades pequenas. Já na visão do presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor), Eudo Laranjeiras, no futuro, a bilhetagem de papel será abolida. “A bilhetagem eletrônica é evolução e é fundamental, traz segurança e fortalece o vale-transporte. Vale de papel deve ser abolido em um futuro muito próximo. É uma tendência”, explica.
Fortalecimento
Depois da luta pela consolidação do vale-transporte, ainda é preciso aprimorar e fortalecer sua instituição. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5396/95, que fortalece o vale-transporte. Entre as mudanças propostas, está a proibição da substituição do vale por dinheiro.
O PL também prevê o crime de estelionato para quem fabricar, comercializar e distribuir o vale-transporte sem autorização do poder público. Outra proposta prevê que o funcionário público deve comunicar às autoridades qualquer tipo de infrações que perceber quanto ao uso do vale-transporte.